Salomãozinho (esq.) e o cruzeirense Alexandre Picorelli, frequentador assíduo, do reduto de quem gosta de boa prosa, cerveja gelada e tira-gosto da melhor qualidade.
Teve a sua despedida, ontem, no endereço de mais de 70 anos, esquina das Ruas do Ouro com Amapá, na Serra.
O tradicional ponto de encontro dos atleticanos vai se tornar uma farmácia, mas breve o Salomãozinho, vai anunciar o novo local, para manter a tradição iniciada pelo pai dele, Salomão Jorge, em 1953.
O jornalista Eduardo de Ávila fez uma bela homenagem no blog dele, “Mirante”:
“O Bar do Salomão, reduto atleticano na esquina da Rua do Ouro, encerra suas atividades após mais de 70 anos de história. Palco de celebrações inesquecíveis, da Copa de 94 ao ano mágico de 2021, sempre reuniu gerações em torno do Galo, de boa comida e música. Agora, sua memória seguirá viva em novo endereço, ainda mantido em segredo. Mais que um bar, é parte da alma atleticana que se reinventa para continuar.”
Será um até breve! Tenho certeza e convicção do retorno de um dos locais mais tradicionais da Cidade do Galo. Reduto de Atleticanos, a esquina da Rua do Ouro com Palmira e Amapá, registou páginas inesquecíveis na memória de seus frequentadores. Tenho o privilégio de ser um, entre dezenas de centenas – ou milhares – que experimentaram o gostinho daquele tempero diferenciado. Meu avant-première se deu pelas mãos do Vandinho. Foi num sábado à tarde, no ano de 1994, coincidindo com a conquista da Copa do Mundo nos Estados Unidos. Das últimas que acompanhei, perdi o tesão pela competição depois de tanto ser chacoalhado pela cbf e seus interesses fora das quatro linhas do futebol nacional.
Havia me mudado para a Serra pouco tempo antes, daí ele – Vander – me viu passando de carro e gritou. Descemos, me lembro, casal e a filha novinha e me foi apresentado aquele templo Atleticano. Fotos, posters, crônicas e um arsenal da história do Galo. Imediatamente virou meu quintal, refúgio para quem mora em apartamento. Eu trabalhava em redação de jornal, de onde saia – via de regra – entre 19 e 20h, mas o velho e saudoso Salomão fechava invariavelmente neste horário. Era uma cerveja e ele anunciava “meus amigos”, sinalizando o fechamento do estabelecimento para minha desilusão e tristeza, também do Tãozinho e outros frequentadores que mal conhecia. O mencionado Tião já era, como o Vandinho, conhecido de outras situações de vida. Ninguém ousava contestar o velho Salomão, que subia as escadas do mesmo prédio para sua janta, banho e ver jornal e novela.
Até que, sem qualquer programação ou conspiração, iniciamos um processo de sedução por fechar mais tarde um cadiquinho. Juro, com os dedos cruzados, não ter sido o primeiro suplicante para que ele tivesse um pouco mais de tolerância com a rigidez daquele horário. Adesão incontinenti de dois colegas causídicos, Zé Geraldo (Magela) e Milton Teotônio, que saiam dos seus escritórios e passavam por ali – vapt vupt – antes de seguirem para casa. Outro, Mário (Ziu), gostou daquilo e se juntou nesse apelo por segurar até mais meia hora. Dalí pra frente, de 30 em 30 minutos a mais, conseguimos segurar o Bar em funcionamento até dez da noite. Nessa altura já contávamos com outros clientes e amigos, como Bazinho e PR (de papo ruim sim, mas divertido). Iniciou aí a transição para o bar noturno que já abrigava a Atleticanidade, e com a instalação de um aparelho de televisão, o primeiro foi na Copa de 98, se transformou nisso que é hoje na capital dos mineiros. Arrisco, é o mais tradicional entre centenas de bares da Massa do Galo.
A conquista da Libertadores de 2013, Copa do Brasil de 2014 e o ano mágico de 2021, fez daquele lugar – inicialmente nos jogos fora de BH e depois também das partidas aqui – um mar em preto e branco. A Rua Amapá ficava intransitável e obrigava o coletivo a desviar o trajeto. Nas comemorações, incomodando não Atleticanos, virava a madrugada aos gritos de Galo, time da virada, é campeão. A PM, sempre acionada, passava por lá e com sua experiência em momentos como aquele – muitos soldados também comemorando – marcava presença e sugeria diminuir o incomodo dos torcedores secadores. E a festa continuava. Era e continua sendo o prolongamento das arquibancadas da Pampulha, Horto e agora Califórnia – dessa magia de ser Atleticano. Paralelo a isso, já sem a presença física do velho Salomão e dona Teresa com a saúde combalida, coube aos irmãos Salomãozinho e Karla seguir com a saga daquela venda que começou com seus avós tem exatos 72 anos.
Como tudo na vida tem início, meio e fim, os cinco filhos – além dos dois mencionados comandantes do Bar, ainda Andrea, Jacqueline e Flávia, agora já sem também a Teresa (que naqueles tempos vividos fazia o tira gosto, aprendi a saborear jiló e bacalhau ali), optaram por alienar o tradicional espaço. Jamais será esquecido e para sempre lembrado a esquina do Salomão. Durante essa governança dos dois irmãos e acompanhando as mudanças que o tempo sugere foi implementado almoço diário (PF inigualável), chorinho e roda de samba, transformando o antigo Buteco de cafezinho e cerveja – que além do velho Salomão tinha o tio Elias, de poucas palavras e que comigo se abria, ria e falava quando me atendia. Bons tempos e ótimas recordações. Naquela esquina, a exemplo de tantos lugares que minha cabeça registra, será uma farmácia, concorrendo com outras duas no mesmo cruzamento. Logo vamos ter mais farmácias que bares aqui em Belô. Não me choco, essas mudanças urbanas são inevitáveis. Aqui pertinho de onde moro atualmente, foi ao chão o antigo prédio da Padaria Savassi, uma farmácia – Centenário – na Getúlio Vargas e até um prédio residencial na Pernambuco com Cláudio Manoel.

Já o Bar do Salomão, que oficialmente encerra naquele local no próximo sábado (13 de setembro, 24 anos e dois dias depois que as torres gêmeas foram para o chão), será reaberto em breve. Onde, não sei, isso está guardado a sete chaves pelo Salomãozinho. Até a Karla diz não ter noção de qual dos imóveis já visitados pelo irmão/sócio irá abrigar o novo espaço. Ao que ouço será bem pertinho, tanto aconchegante quanto naquele local que ficou por mais de sete décadas. Vai abrigar a empatia do Atleticano, para onde serão levados todos os quadros que emolduram aquele ambiente. Tenho a honra de estar nessa galeria. Fotos, crônica e até camisa que usei nas Copas de 86 e 90, meia Brasil e a outra metade Galo. Outras novidades que apurei, sem confirmação, em nome da tranquilidade e segurança de toda a clientela. Com a licença poética do conterrâneo araxaense Tarcísio Cardoso, faço um ajuste em frase do próprio. Belo Horizonte, um punhado de ruas e casas ao redor do Bar do Salomão.

*fotos: 1 e 2) arquivo da família Salomão Jorge em dia de jogo do Galo; 3) arquivo pessoal (Salomão Filho e Salomão Pai com o neto Guilherme no colo e este blogueiro); 4) arquivo pessoal (Bidu, Salomãozinho, o blogueiro num evento de Natal do Bar e Karla)