Em fins de 1974, pergunto ao lateral esquerdo Ney Bueno, do Galícia, se ele não conhecia um bom locutor de rádio. No ato, ele responde:
__Uai, conheço o João “sem dedo”, da Eletrônica Minas Gerais.
__Ué, mas ele é locutor?
__ Não sei, mas se ele conserta rádio, pode ser que ele também fale no rádio
__ Oh, quem sabe? Você vai lá comigo?
__ Vamo lá!
Na minha santa inocência dos 13 anos de idade eu era a equipe de esportes da Rádio Cultura de Sete Lagoas. Repórter, redator e muito em breve, um dos apresentadores do programa “Bandeirantes nos esportes”, nos 1.420 Khz AM.
A cidade vivia uma ressaca triste de futebol. O Democrata tinha encerrado as suas atividades no futebol profissional e lutava com bravura para se manter no campeonato amador, presidido pelo Romy da Consolação Rocha, um cidadão comum, “intruso” na cúpula do até então aristocrático alvirrubro da cidade, abandonado pelas tradicionais então poderosas famílias que sustentavam o Jacaré. Com a crise administrativa e fracasso nos gramados estaduais os “novos ricos” não queriam saber de futebol. Principalmente porque o arquirrival, Bela Vista, já tinha parado com o seu time profissional há vários anos.
Fernando Alves, Orlando Rodrigues, José Augusto Faria de Sousa e Tadeu Machado, os grandes nomes da comunicação esportiva regional, também tinham parado com as suas atividades. Afinal, sem futebol profissional, fazer o quê? Cada um voltou a ficar em suas atividades profissionais que lhes garantiam o sustento pessoal, no comércio, serviço público e contabilidade, respectivamente.
Eu era a novidade nas cinzas do que sobrou das equipes esportivas de Sete Lagoas, que tinha um jornal e uma rádio. Dois anos antes, eu tinha sido lançado como colunista do O Jornal do Centro de Minas, pelo senhor Geraldo Tolentino, uma das figuras mais influentes do empresariado e da política da cidade. Sim, aos 11 anos de idade, saiu a minha primeira coluna, “Pílulas Esportivas”, nome inclusive sugerido pelo “seu” Geraldo, porque se constituía de notas curtas sobre esporte, futebol, principalmente.
Voltando à Eletrônica Minas Gerais, do João “sem dedo”, (esquina de Dr. Avelar com Milton Campos), lotada de aparelhos de rádio e TV, o dono, João Carlos Batista de Oliveira recebeu da melhor forma a mim e ao Ney Bueno, que era lateral do time amador que ele comandava, o Galícia, do Garimpo (Bairro Santa Luzia), de cores verde e preta. O apelido “sem dedo”, era por causa de um dedo a menos não mão esquerda, que o João perdeu quando criança, numa moenda de cana em Lagamar, cidade natal dele, próxima a Patos de Minas.
Feitas as devidas apresentações e explicado o motivo da visita, prontamente, com largo sorriso, o João disse que, sim, tinha experiência com microfones, já que fora durante muitos anos, locutor da “barraquinha” da igreja de Lagamar.
Topou na hora, ir no dia seguinte à Rádio Cultura, na Av. Emilio de Vasconcelos, conversar com o chefe Mauro Rocha e os coordenadores, Assiz Lima e Dirceu São Paulo.
A sintonia foi fina e imediata. O João começou como apresentador do “Bandeirantes nos esportes”, nome ligado ao patrocinador, a Recapagem Bandeirantes, do Marquinho Cavalinho.
Com ele na apresentação, o Dirceu São Paulo, que acumulava as funções de operador de áudio e locutor. Como a minha voz era “taquara rachada”, de criança, só após alguns meses, depois de muita insistência, persistência e treinamento (aos cuidados do Assiz Lima), o chefe geral, Mauro Rocha, autorizou a mina entrada no ar.
A audiência subia, o futebol da cidade renascia e em pouco tempo resolvemos voltar às transmissões esportivas. Incentivados pelo dono da rádio, Geraldo Padrão, que via naquele movimento uma oportunidade política, de se tornar prefeito da cidade, convencemos o Fernando Alves, o grande narrador local, a retornar. Porém, envolvido demais com a sua loja de material de construção, ficou pouco tempo, o tempo que o João precisava para pegar os macetes e sucedê-lo na narração.
Brilhou. Tanto que, daí a pouco se tornou apresentador do principal programa musical da rádio, todas as manhãs, e a maior audiência da região. Cinco anos depois o Gil Costa me contrataria para a recém chegada em Belo Horizonte, Rádio Capital, que três anos depois, precisaria de um narrador para substituir José Calazans, que estava de partida para Goiânia. Indiquei o João, que se encaixou como luva na nossa equipe comandada pelo Flávio Anselmo.
Mas, durou pouco conosco, pois o Osvaldo Faria gostou demais dele e o contratou para a Rádio Itatiaia. Deu tão certo que foi um dos integrantes da equipe da rádio na cobertura da Copa do Mundo do México, em 1986.
Meses depois, agradeceu e se despediu da Itatiaia. Foi convidado pelo então prefeito de Sete Lagoas, Marcelo Cecé, a retornar à cidade, com a missão de montar e comandar a Rádio Eldorado AM, que na sequência tomou conta da audiência regional.
Senhoras e senhores, toda essa história, para mostrar o quão triste estou com a morte do João Carlos, na noite deste sábado, primeiro dia de novembro de 2025.
Um amigo irmão. Que, em verdade, descansou, já que vinha sofrendo desde fevereiro de 2013, vítima de um AVC que comprometeu as suas atividades, com limitações na fala e locomoção.
Há 35 dias estava internado na UTI do Hospital Nossa Senhora das Graças, enfrentando problemas renais, diagnosticado com sepse urinária. Estava com 75 anos idade.
Em um grupo de whatsapp, criado pela amiga e colega de trabalho Linda Martins, há quatro anos, para acompanhar a sua recuperação, a filha mais velha dele, Andréa Alessandra Oliveira, transmitia um boletim diário sobre o atual momento e dos procedimentos hospitalares pelos quais ele vinha passando.
A esposa Neusa e família agradecem a excelente assistência que ele teve no Hospital Nossa Senhora das Graças, por parte dos médicos, enfermeiras e funcionários.
O velório será neste domingo (02/11), de 8h até às 13 horas no Grupo Zelo, para o Cemitério Parque Santa Helena.
Descanse em paz, meu caro João! Prazer enorme conviver contigo. Gratidão eterna.
Até um dia!
Na sequência, fotos publicadas por mim no jornal Sete Dias e no site e portal www.setedias.com.br e www.7diasnews.com.br :

Geraldo Padrão entre Chico Maia e João Carlos de Oliveira, visitando o Monumento às Bandeiras, em São Paulo, no dia da transmissão do jogo São Paulo x Atlético, pela Copa Libertadores da América de 1978.

Cobertura do Carnaval de Sete Lagoas pela Rádio Cultura em 1973. Foto que o companheiro João enviou para todos que participaram das transmissões, com dedicatória individual no verso.

Da esquerda para a direita, Roberto Silva, Chico Maia, Amaurilio Coelho, José Afonso de Oliveira e João Carlos.

O começo da vida de narrador, aprendendo com o mestre Fernando Alves, em transmissão de jogo do campeonato amador de Sete Lagoas, no Estádio Santa Luzia (Campo do Bela Vista), 1977. Da esquerda para a direita, Geraldo Padrão, Chico Maia, Fernando Alves e João Carlos Oliveira. Atrás, Elson, massagista do Bela Vista.

Eu e ele, durante transmissão do Carnaval de Sete Lagoas pela Rádio Cultura, em 1976.

Eu era da Rádio Inconfidência e nos juntamos aos companheiros da Itatiaia para essa foto, na porta do Centro de Imprensa da Cidade do México: Silva Neto (esquerda), eu, Maurílio Costa, o operador Rangel, João Carlos de Oliveira, Luiz Carlos Alves e Alair Rodrigues.

Era 1988, a Rádio Eldorado tinha pouco tempo de vida mas já com uma
grande e ótima equipe de esportes. Nesta foto, feita em frente a sede
da emissora, na época no prédio do Bela Vista às margens da Lagoa
Paulino, o time completo. De pé, da esquerda para a direita, Silva
Júnior, o saudoso Ubiratan Silva, João Sena, JG Moura, Carlos Fraga,
Professor Clarindo Assiz Lima, Magela Ribeiro, João Carlos Oliveira e
o então prefeito Marcelo Cecé. Agachados: Renato (assistente técnico), Adilson Silva, Magela Martins,
Rubens Silva, Nivaldo Luiz e Márcio Rodrigues “Chacrinha”.

Até as eleições municipais de 1992 o voto era no papel e a partir das 17 horas as urnas eram transportadas para o Clube Náutico de Sete Lagoas, onde eram abertas pela Justiça Eleitoral, com a presença dos partidos políticos, seus candidatos, fiscais e a imprensa.
A cobertura, ao vivo, pelas rádios Cultura e Musirama era uma atração à parte, de audiência fantástica em toda a região, já que os votos das várias cidades da comarca eram (e continuam sendo) apurados aqui.
Os responsáveis pela transmissão eram o João Carlos Oliveira (esq.) e Geraldo Padrão (à direita), nesta foto entrevistando o professor Geraldo Francisco Barbosa, o “Tchó”, fundador e militante dos mais ativos do PT na cidade, até a sua morte, em 3 de março de 2024, aos 88 anos.
A urna eletrônica foi implantada no Brasil por meio da Lei nº 9.100/1995, e é considerada um marco global em tecnologia eleitoral. O equipamento foi introduzido nas Eleições Municipais de 1996.

Na casa dele, cinco anos atrás, homenagem dos antigos companheiros de rádio pelos 70 anos: à direita, Marlúcio Menezes e Lucas Castilho

O carinho dos amigos e família

Linda Martins, à direita, amiga e ex-funcionária, grande apoiadora em todos os momentos nesse período difícil da vida do João. Aliás, a Linda é a “madrinha” dos companheiros da imprensa de Sete Lagoas, sempre atenta e preocupada com o bem estar de todos.

