Vou ver o Hulk!

Foto: Pedro Souza/Atlético

Um dos maiores jogadores da história foi craque também ao soltar uma frase genial e verdadeira: “o jogador de futebol morre duas vezes”, disse Paulo Roberto Falcão. “Quando para de jogar e quando de fato, morre”.


E tudo na vida acaba, tudo passa, até a vida de todos nós. Hulk está se aproximando da primeira morte e vem emitindo sinais do desconforto que está sentindo, mais fora de campo do que dentro. Aquele choro dele no vestiário, depois de ter tomado cartão amarelo sem entrar em campo, no banco, depois de Atlético 1 x 0 Mirassol.


Apaixonados pela atividade, como ele, sofrem mais quando vê que está chegando a hora do primeiro fim. Alguns se arrastam em campo, tentando enfrentar a realidade do tempo, ao ponto de gerar dó, como o Romário, lembram?


No caso do Hulk, o que mais me entristece, é a sacanagem da qual ele é alvo, por parte de torcedores e até da imprensa. Nada de anormal, no mundo da bola, mas que dói muito e poderia ser evitada. Nesta onda antipática e ridícula de tantas estatísticas que nada acrescentam ao futebol, alguém soltou um tal “jejum de gols ‘com bola rolando’”, que Deus nos livre. Hulk em campo, parado, sem fazer nada, incomoda mais a qualquer defesa do que a maioria absoluta dos atacantes brasileiros. Ainda mais neste time sofrível do Atlético.


Outra, aí, de torcedores: “já deu o que tinha de dar”. Expressão que exala pura ingratidão, como se Hulk ou qualquer jogador não fosse um ser humano. Fosse algo descartável. Um bagaço de laranja, um objeto que deve ir pro lixo.


Entro neste assunto porque hoje Hulk voltará a ser titular, contra o Fluminense, no Rio. E acabei de ler a coluna do Fred Mello Paiva, no Estado de Minas. O Fred é sempre fantástico em seus textos, mas às vezes se supera e nos emociona.
Ele traduz em poucas e bem traças linhas o atual momento desse grande jogador e ser humano. Com o realismo que a vida exige, mas com o respeito que todo ser humano merece, principalmente quando se trata de um Givanildo Vieira de Sousa, em seus 39 anos de idade.


Lembrei de um outro “monstro” das letras e das palavras, o gaúcho Ruy Carlos Ostermann, professor, filósofo, jornalista, da Rádio Gaúcha, jornal Zero Hora e RBS TV, que no deixou no último 27 de julho, aos 90 anos de idade.


Eu estava em Porto Alegre para um Internacional x Atlético. Em fim de carreira, Éder era um dos mais importantes do Galo, jogando na meia esquerda, o cérebro, o lançador e o batedor de faltas. Abro o caderno de esportes do Zero Hora e me deparo com a coluna do mestre Ruy, sob o título: “Vou ver o Éder”. No texto ele discorria sobre a importância do mineiro de Vespasiano para o futebol brasileiro, no Grêmio, no Atlético, na seleção brasileira e por onde mais passou. E finalizava dizendo que iria ao Beira-Rio “exclusivamente” para ver o Éder, que ensaiava a sua retirada dos gramados e que talvez aquela fosse a última oportunidade de vê-lo, ao vivo, presencialmente, no estádio em Porto Alegre.


Lembrei também de quando Reinaldo já dava sinais de que não duraria muito, aos 28 anos de idade, joelhos arrebentados a partir dos 16, cansado da rotina de fisioterapia diária e medicações para tratamentos permanentes e alívio de dores. Às vezes ele se arrastava em campo, mas os adversários tremiam só de vê-lo lá dentro e que a qualquer momento ele poderia resolver a partida, num de seus lampejos de gênio.


Ao meu lado na tribuna de imprensa do Mineirão algum colega dizia: “não dá mais pro Rei”. Nas arquibancadas, muitos diziam o mesmo que andam dizendo do Hulk: “já deu o que tinha que dar”.


Eu me recusava a acreditar que era o princípio do fim daquele craque, mas o tempo é implacável. Curti e respeitei até a última bola chutada profissionalmente pelo Rei. Mas, um dia desses, num encontro com ele, no lançamento do filme dos 50 anos da revista Placar, eu lhe disse:
__ Deveríamos ter te aplaudido mais, Rei! E você deveria ter insistido mais.
Fazer o quê, né!? O tempo é inexorável! Vida que segue.


Enquanto isso, curtamos o Hulk, até a sua última gota de suor bem suado com a camisa do Galo. Hoje tem ele, 18h30, no Maracanã, 27ª rodada do Brasileirão.


E curtam também o Fred Mello Paiva, que nos brinda com textos como este sobre o Hulk:


“Meu filho dirá ao seu neto que viu o Hulk jogar”
Fosse eu o cartola, chamaria o Hulk agora num canto e diria: “você só sai se quiser, quando quiser e como quiser”
Muito se tem falado de Hulk nos últimos dias. Sobre o jejum de gols “com bola rolando”. A respeito do número de cartões com os quais é frequentemente punido. Sobre a idade que finalmente começa a pesar, motivo pelo qual amargaria, agora, um banco incomum em sua mais que vitoriosa carreira.


Hulk é, para mim, o segundo melhor jogador da história do nosso Galo, atrás apenas de Reinaldo. Mas este não conta, é hours concours. Maior do que Pelé, maior que Maradona. E, portanto, se inalcançável pelos imortais, o que dirá os mortais.
Neste meu ranking pessoal não pontua apenas a técnica, os gols, as assistências. São vários os quesitos a se somar, entre eles os insomáveis, aqueles que pertencem ao inexplicável das coisas, aos imponderáveis da vida. Se fosse uma tabela de excel, haveria um campo para algo como “sei lá, alguma coisa que só ele tem”.


Digamos que seja um jeito de se expressar. Uma maneira honesta de sorrir. Uma capacidade de verdadeiramente se emocionar. Um amor sincero ao alvinegro. Como Levir, um cara legal. Cidadão de bens mas um coração gigante. Nunca se ouviu de sua pessoa uma palavra mal posta, uma atitude escrota, nunca. Por óbvio, não são os seus gols que fazem com que até os arquifregueses queiram com ele fazer uma selfie. O que os motiva, vamos dizer, é essa coisa que não se explica.
Some-se a isso o craque total, mistura de Adriano e Ronaldinho, a cavadinha do Rei, a bomba santa do Éder, a visão de jogo do Cerezo, a garra de um Donizete. Um levantador de taças como nenhum outro. Hulk é um jogador absurdamente diferente, um gênio da bola, espécie, no Brasil, em extinção.


As mesas redondas de futebol se esbaldam em falar de Givanildo, à medida em que contam os dias como aqueles a assistir, incrédulos, à guerra contra Gaza – “727 dias do genocídio palestino, hoje”. No caso do Hulk, os dias sem gols “com bola rolando”.


Sem bola rolando, porém, quase fez uma trinca batendo faltas contra o Palmeiras. No Bahia, meteu o gol olímpico mais bonito que vi na vida. Como dá ibope, em certas mesas redondas e caçadas aos cliques parece jogar sozinho. Como se o time todo não tivesse ruído a olhos vistos desde antes das finais do ano passado. Como se a falta de elenco não tivesse lhe imposto uma sequência insana de jogos aos 39 anos.


Cada um analisa as coisas como quiser analisar, e tá tudo certo. Mas, se me permitem os entendedores, penso que a exceção deve ser tratada como tal. E Hulk não é simples exceção. Estamos a assistir o segundo maior de todos, que sorte a nossa! Assim como eu posso dizer ao meu filho que vi Reinaldo, meu filho dirá ao meu neto que viu o Hulk.


Vejo gente a sugerir a sua saída, algo como o “já deu o que tinha de dar”. Hulk pode estar no banco por opção de Sampaoli. Ele não reclama. Do lateral do campo, note, ele luta, reclama, vibra, ok, leva cartão porque é obviamente perseguido desde o episódio com Daronco, basta fazer jornalismo para se constatar a estranheza da coisa. Tudo bem que esteja no banco, penso, mas, fosse eu o cartola, o chamaria agora num canto e diria: “você só sai se quiser, quando quiser e como quiser. Se quiser jogar até os 50, aqui está seu contrato, se quiser jogar pra sempre, tanto melhor”.


Se eu fosse o cartola, iria à CBF com um dossiê sobre os cartões do Hulk, faria o barulho que fosse, ainda que sob pena de os canalhas dobrarem a aposta. Este último cartão, quando Hulk estava no banco, é de um absurdo atroz. Aquele outro, quando foi advertido depois de tentar cumprimentar o soprador de apito ao final do jogo, mais ainda. Não pode mesmo ser o capitão, pois é vergonhosamente prejudicado, o que acaba por prejudicar o próprio time.


Pois bem, não somos cartolas graças a Deus. No meu caso, já teria sido condenado à cadeira elétrica pelo valoroso STJD. Mas a gente é Galo e ninguém tasca. Nossa missão é agradecer ao Hulk por tudo que fez, faz e ainda fará. Abraçá-lo nessa hora em que claramente é perseguido, sim, e, com razão, está triste e incomodado. Hulk, não diga mais nada. Absolutamente nada. Só joga, que hoje vai ter gol do Hulk com a bola rolando. Depois, erga o punho cerrado do Rei, símbolo de luta e resistência. O Galo é assim, e não tá morto quem peleia.


https://www.em.com.br/colunistas/fred-melo-paiva/2025/10/7262696-meu-filho-dira-ao-seu-neto-que-viu-o-hulk-jogar.html

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