Três anos sem Rogério Perez, um dos grandes jornalistas do país

Aprendi demais com ele. Da profissão e da vida. Ótima prosa. Tive o privilégio de conviver com ele em longas viagens em coberturas de copas do mundo e na redação do jornal Hoje em Dia, onde ele era chefe, mas nunca com a postura de superior. Era colega, amigo, professor.
A melhor e inesquecível imagem que tenho dele é a maior lição para um jornalista que queira ter sucesso na profissão: puxando um pequeno carrinho, parecido com esses de compras de supermercado, derramando papéis, folhetos, bugingangas e tudo que ele ganhava ou achava interessante pegar por onde passava. Por todos os corredores de estádios, centros de imprensa, aeroportos e ruas nos Estados Unidos, durante a Copa de 1994.
_ Prá que isso Rogério? _ Pautas, tudo é pauta, tudo é assunto. Mais tarde ou amanhã, no quarto do hotel ou onde houver um tempo, paro, vejo tudo e encontro um monte de assuntos que podem virar notícia ou comentário. Depois, descarto.
Segui a dica. Até hoje faço isso. Agora, com menos papel, já que a tecnologia facilitou tudo. Chegamos à era de salvar, copiar e colar. Leitores e ouvintes continuam gostando.

Rogério Perez com Telê Santana durante a Copa dos Estados Unidos em 1994


O Mestre Rogério Perez se foi mas seus ensinamentos ficaram. Assim como ficaram a esposa Regina, os filhos e netos, ótimas pessoas, ótimos profissionais em suas respectivas áreas, que mantém viva a memória e legado dele.
Especialmente o Leo, a quem agradeço, por sempre nos irrigar com fotos, textos e todo tipo de lembrança do guerreiro que nos deixou no dia 27 de setembro de 2022, aos 79 anos.


Aqui, uma coletânea de lembranças dele, sem ordem cronológica, sem muita organização, sem nenhuma frescura, do jeito que era o Perez. Inclusive uma coluna que ele escreveu no Estado de Minas, em 1982, descrevendo a reação de Yustrich, o “Homão”, treinador que se tornou lenda (e ótimo livro lançado recentemente, de autoria do jornalista gaúcho José Carlos Costa), que, revólver na cintura, não conseguia digerir a perda de um campeonato para o Atlético, de reações imprevisíveis depois do jogo, querendo pegar alguém no Mineirão. Uma crônica sensacional que me foi enviada pelo amigo jornalista Rivelle Nunes, também fã do Perez, há quase dez anos.

Rogério Perez – Em 1986 em frente ao Centro de Imprensa na Copa do Mundo no México. Nesta cobertura, fiquei fã dele. Eu pela Rádio Inconfidência, ele pelo Estado de Minas.

Na TV Assembleia, em 2014 no debate sobre Copa do Mundo, com os colegas: Alexandre Simões, Kemil Acib, Chico Maia e Leopoldo Siqueira. Ele à esquerda

Time do Estado de Minas/TV Alterosa/Rádio Guarani: “como podemos ver, o estado do gramado está literalmente à altura dessa seleça. Rodrigo, Péricles, Robson Leite , André, o sorridente Benny Cohen e Barriguinha.
Técnico: Rogerio Perez Guardiola”

“Bons tempos de aglomeração acompanhando os dribles do Rei. Registro do retorno do Reinaldo aos treinos em 1979 depois da cirurgia no joelho. Este escriba estava lá junto com Roberto Abras, Alair Rodrigues, Walter Luís, dr Neylor Lasmar e mais alguns colegas de ofício que na época pisavam no gramado debaixo de sol para fornecer a melhor informação ao eleitor”. Vila Olímpica – CAM

“De Volta ao Passado … mas vivo no Presente. Rogério Perez, Délio Rocha, Aníbal Penna, Carlinhos.
Olympio Coutinho, Joãozinho, Manoel Marcos Guimarães, Rogério Carnevalli, Lúcio Braga e Eduardo Castor.
Foto enviada pelo Ivan Drummond

Athens/Georgia, Olimpíadas de Atlanta 1996

“Você (Chico Maia) e Perez entrevistando o Dida. foto de Marcello Oliveira”

No próximo domingo, 14/08, Rogério Perez completará 79 anos (mensagem do Leo Perez, em 2022)

“Bom dia, Chico. As notícias do Rogério Perez não são boas. Os rins não estão funcionando. Acredito muito em milagres (já tive um adolescente) mas … Neste momento estamos tratando para ele não sofrer no CTI do Hospital Unimed. Após as visitas de 10:30hs e 16hs mandarei notícias. Deus no comando do “capitão” (uma das últimas mensagens dos boletins diários enviados pelo filho Leo Perez, 25/09/2022)

“Boa tarde. O boletim médico do Rogério Perez de hoje já saiu. Pressão bem baixa. A medicação morfina desde ontem à noite na veia. Continua no CTI da Unimed. Infelizmente quadro piorou um pouco mais. Estamos tratando para evitar sofrimento nele.” “26/09/2022”

“Rogério Perez e Regina, completam hoje 52 anos de casados. Vivemos um momento de muita angústia, impotência e apreensão na Perez Family, no entanto, esta data merece um VIVA especial. Gratidão por este casal que é referência de amor eterno e companheirismo constante . Vida que segue com fé e seguindo o planejado pelo criador” (mensagem do Leo Perez no início de setembro de 2022)

Texto do jornalista Pedro Arthur, que atuou no Jornal Hoje em Dia com o Rogério Perez:
“Saludos, Maestro Perão!


Em Paris 1998, Perez, Pedro Artur, Márcio Fagundes e Cebolinha

Escrever, ou falar do grande Rogério Perez é fácil e sempre um prazer e uma honra.
Não se trata apenas de um momento, ou de bate-papo, ou troca de informações do dia de trabalho na redação do antigo jornal Hoje Em Dia, na Padre Rolim, Santa Efigênia.
Quando seguia pro trampo, pra redação, pela manhã lá estava Perão sentado e, em sua mesa, exemplar do dia do Hoje e dos concorrentes.
Passando por ele perguntava: tá bom pra nós? Alguma dica?
Perão abria um largo sorriso e disparava:
“Tudo bem. Vá lá fique de olhos abertos, ouvidos atentos, e a fonte …”
Se voltasse por volta das 13h lá estava o calejado companheiro e jornalista com vozeirão na reunião de pauta.
Vou contar agora mais amiúde casos de cobertura na Copa do Mundo da França, em 1998. Perão comandou uma mini redação em Paris.
Além dele, éramos eu, Márcio Fagundes, textos, e os repórteres fotográficos Carlos Roberto e Maurício de Souza, nosso Cebolinha, Peti toyon en francaise.
Escrevia, escrevia… além da coluna diária, reportagens, sempre, de grande fôlego.
Não posso esquecer na ida para Marselha, de trem, para a semifinal contra a Holanda.
No trem, com o filho Gu, Gustavo Perez, a quem mandou vir de BH, ouvia, ouvia os torcedores.
Era a própria sabedoria do ofício em campo, e sempre com um conselho, não, uma orientação a nosotros com menos vivência.
É preciso dedicação.
Valeu, Fera!
PS, durante suas férias no HD nós, repórteres, éramos encarregados da coluna Jogo de Cintura.
Que prazer! Que alegria! Que responsabilidade! E que vivência inesquecível! Viva!”

Coluna do Perez no Estado de Minas em 1982, transcrita pelo Rivelle Nunes: “Um título em dois minutos”, em que ele flagrou uma situação inusitada, digna dos campeonatos de várzea disputados Brasil afora”.

“Realmente foi uma das situações mais inusitadas que vivi nos meus 55 anos de jornalismo (iniciei no Jornal Estado de Minas em 16|06|1966).
Transcrevo a matéria na íntegra que foi um “furo de reportagem na mídia impressa da época”:
Armado, chorando. É Iustrich. (Jornalista Rogério Perez, Jornal Estado de Minas, 07|12|82)
Quando Iustrich deixou o Mineirão, às 20h30m de domingo, mais de uma hora depois de o clássico terminado com o Atlético pentacampeão, o presidente Felício Brandi ficou aliviado e seus amigos o cercavam (poucos, é verdade) também. De rompantes dramáticos, homem de gênio forte e reações violentas, Iustrich tinha desde o final do jogo, primeiro enrolado em uma folha de papel de presente vermelha, depois na cintura, ou no bolso de um macacão azul, um revólver, com cinco balas, e dizia se pronto para enfrentar tudo a tiros.
Não se sabe ao certo as razões que levaram Iustrich a se armar depois do jogo, mas lá estava ele, com seu corpanzil, sua máscara de tristeza (teatral, ele sabe como poucos mostrar faces de acordo com o ambiente, com a situação, com o momento vivido ao seu redor), e suas variações de personalidade, passando por momentos de lucidez e em algumas vezes se entregando a raciocínios desconexos, misturando valores e informações, ora desabando com lágrimas verdadeiras ora posando e escolhendo palavra para melhor impressionar os ouvintes ou telespectadores.
O revólver poucos viram, mas estava lá, e Felício Brandi, Benito Fantoni, Rui Guimarães, Paulo Mata (um cidadão de ligações estranhas com a diretoria e o treinador, que segundo os jogadores é um informante do técnico e do presidente, não sendo nada estimado na comunidade do futebol), Beneci Queiroz, Vicente Lage, o Cento e Nove, Barbosa e outros sabiam e temiam qualquer problema mais sério, mas nenhum deles teve coragem ou condição para falar diretamente com o treinador e lhe tomar a arma. Uma arma que, segundo o próprio Paulo Mata explicava nervosamente, havia sido dada por um delegado amigo do técnico:

Não sei o nome dele, mas vou descobrir. Isso não se faz. Como armar uma pessoa que está emocionalmente descontrolada
Custaram a conseguir um meio de tirar o técnico do vestiário vazio, elameado e cheio de mamuchas de laranja e leva-lo embora. E, quando finalmente ele saiu, a mando de Felício Brandi e com o Cento e Nove dizendo que estava tudo calmo e preparado para ele sair sem problemas, Iustrich teve uma explosão de choro ao se abraçar, na porta do vestiário da diretoria do Mineirão, com Paulo Mata. Ficaram abraçados por alguns segundos, chorando convulsivamente e dizendo palavras inteligíveis.
Depois Iustrich saiu capengando pelo corredor pouco iluminado e de longe o grupo formava uma coluna triste e derrotada. Na frente, abrindo caminho, ia Vicente Lage, depois Iustrich, depois Felício Brandi e por fim Paulo Mata. Passaram por uma escada lateral, subiram por uma outra e deixaram o estádio por uma porta lateral, indo direto para o estacionamento, ainda dentro dos muros.
Havia chovido muito e poucos torcedores ainda estavam no Mineirão. A festa já alcançava a Afonso Pena e toda a cidade. Mesmo alguns torcedores retardatários ainda estavam pelos bares e corredores já escuros. Dois meninos perceberam a saída estratégica e gritaram sem obterem resposta qualquer reação:

Zé Mingau, Zé Mingau …
Iustrich foi para o carro de Cento e Nove, um Passat do ano. Nele iam parentes do auxiliar técnico e responsáveis pela preparação do plano de retirada dos derrotados. O carro fez uma manobra rápida, saiu pelo portão lateral. Felício Brandi ficou sozinho no estacionamento. Sem festa, e sem os amigos de 22 anos de Cruzeiro.
Ninguém sabia explicar direito porque Iustrich temia alguma tragédia ou esperava ter que provocar uma. Quando o repórter percebeu a arma e ficou na espreita, Rui Guimarães queria desconversar. Dizendo que tudo bem e nada havia a esperar. Só que os fatos eram diferentes: o revólver estava lá, enrolado na folha de papel vermelho, as balas, que eram cinco, o técnico nervosamente comprimia as mãos e até nem percebeu quando uma caiu e o repórter Carlos César Pinguim a apanhou.
Luiz Antônio chegou e todos ficaram preocupados. O técnico dava entrevistas falando dele e da sua responsabilidade na situação criada e nos problemas surgidos, na perda do título.
Depois apareceu o repórter Orlando Augusto, com quem o técnico havia discutido e quase brigado uma semana antes. Mas nada aconteceu. Iustrich vez por outra mostrava o revólver e dizia que não ia brigar na mão. Coçava uma alergia no braço e demonstrava nestes momentos toda sua tristeza e nervosismo.
Falava gesticulava, chorava e voltava a se tranquilizar. Rememorou seus problemas, o ambiente que encontrou e várias vezes foi chamado para sair, mas acabava ficando. Assustou as poucas pessoas que estavam dentro do vestiário, quando abriu o embrulho vermelho, tirou o revólver e colocou as cinco balas, uma a uma. Depois enfiou a arma na cintura e continuou dando entrevistas.
Chorou duas vezes diante das câmeras de televisão e várias vezes quando falava para os repórteres de rádio. Somente teve um momento de maior descontração quando viu que um radialista que havia tomado banho no vestiário saia nú e a televisão focalizava no fundo, quando era feita uma entrevista com Felício Brandi.
Nem olhou para aqueles que lhe levavam solidariedade, mesmo discordando de seus métodos e reações. Recebeu afagos na cabeça de alguns jogadores como Tostão e Eudes. Teve despedidas formais do médico Ronaldo Nazaré, e quando saiu ainda disse que se considerava um vitorioso. Mas quem o viu contra o corredor pouco iluminado, tinha a certeza que estava diante de um derrotado.
Armado, mas derrotado.”
Rogério Perez

No dia da final da Copa dos EUA 1994, Centro de Imprensa do Estádio Rose Bow em Pasadena: Hélio Fotógrafo de Betim, Rogério Perez e Chico Maia

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